quinta-feira, 4 de junho de 2009


De Tarde


Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter histórias nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.


Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.


Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.


Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!




O poema “De Tarde” funciona como uma representação impressionista de um cenário campestre em que se movem figuras que participam um piquenique, com grande destaque para “o ramalhete rubro das papoulas”, que surge do decote rendilhado do vestido de uma rapariga, e entra em contraste com o branco dos seios cuja forma arredondada, comparadas a duas rolas, o que acentua ainda mais o ambiente sensual de todo o texto.

O próprio sujeito poético estabelece a analogia entre o texto e uma aguarela que, com efeito, faz lembrar o célebre quadro “Déjeuner sur l’herbe”, de Manet. Imediatamente nos impressiona a força das cores azul (“… um granzoal azul de grão-de-bico”) e vermelha (“um ramalhete rubro de papulas”), dos tons de amarelo ou dourado (“sol”; “talhadas de melão, damascos, / E pão-de-ló molhado em malvasia”) e da subentendida cor branca da renda e dos seios.

Mas é evidente que o ponto central do quadro é a mancha vermelha (cor quente) do ramalhete das papoulas, cuja colocação no vértice do decote ladeado pelos dois seios, assume conotações de alguma sensualidade. A luz do sol que “ainda se via”, desempenha aqui um papel importante como reveladora da vida que, no poema, se manifesta em três facetas que se cruzam e contaminam.

Centrando-me agora na última estrofe do poema, irei dar a minha opinião acerca desta:

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Esta é a estrofe onde o poema é mais impressionista. Nela é possível reter várias dimensões, como é o caso da forma (“duas rolas”), e da cor (“rubro das papoulas!”). O encanto daquele piquenique não estava apenas no facto de estar uma tarde de sol ou no facto de estarem presentes as burguesas, mas principalmente no ramalhete de papoulas que saiam do decote da mulher. É no último verso desta estrofe que o ramo ganha bastante importância, este ganha um valor único quando a mulher o coloca ao peito. Podemos observar isto na presença do artigo definido “o” no inicio do último verso, que esta em oposição ao artigo indefinido “um” no oitavo verso. É ainda nesta estrofe que está presente o contraste entre os seios e o ramalhete, estando então presente a dimensão aguarela.

Cesário Verde



“Além de ser uma réplica do realismo irónico queirosiano (…), o realismo lírico de Cesário Verde será o seu esforço de autenticidade, anti-retoricista, com versos magistrais, salubres e sinceros.”






José Joaquim Cesário Verde nasceu dia 25 de Fevereiro de 1855 em Lisboa.
Matriculou-se no curso de Letras da Universidade de Lisboa, mas desistiu, indo trabalhar para a loja de ferragens que seu pai tinha na Rua dos Bacalhoeiros. Começou a publicar poesias no Diário de Notícias, no Diário da Tarde, no Ocidente, entre outros. Adoecendo gravemente, fixa-se na quinta da família em Linda-a-Pastora.
Morreu tuberculoso aos 31 anos, foi graças aos esforços do seu amigo Silva Pinto que as suas poesias são postumamente publicadas em volume com o título O Livro de Cesário Verde (1887).
Cesário preocupava-se com a vida das pessoas, com o trabalho precário, com as condições deploráveis de sobrevivência a que muitos tinham de se submeter daí o surgimento de uma frase “Eu não sou como muitos que estão no meio de um grande ajuntamento de gente e completamente isolados e abstractos. A mim o que me rodeia é o que me preocupa.”
O contraste cidade/campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário e revela-nos o seu amor ao rústico e natural, que celebra por oposição a um certo repúdio da perversidade e dos valores urbanos a que, no entanto, adere. O poeta preferia o campo à cidade uma vez que na cidade surgem a íntima relação com a poluição, a prisão, a opressão, a doença e a morte, preferindo o campo que surge como espaço puro e natural, sinónimo de liberdade, de fertilidade, de saúde e de vida.

-A cidade personifica a ausência de amor e, consequentemente, de vida. Ela surge como uma prisão que desperta no sujeito “um desejo absurdo de sofrer”. É um foco de infecções, de doença, de MORTE. É um símbolo de opressão, de injustiça, de industrialização, e surge, por vezes, como ponto de partida para evocações, divagações.

- O campo, por oposição, aparece associado à vitalidade, à alegria do trabalho produtivo e útil, nunca como fonte de devaneio sentimental. Aparece ligado à fertilidade, à saúde, à liberdade, à VIDA. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, daí surgir o mito de Anteu, uma vez que a terra é força vital para Cesário. O poeta encontra a energia perdida quando volta para o campo, anima-o, revitaliza-o, dá-lhe saúde, tal como Anteu era invencível quando estava em contacto com a mãe-terra.
O campo é, para Cesário, uma realidade concreta, observada tão rigorosamente e descrita tão minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os trabalhadores são parte integrante, um campo útil onde o poeta se identifica com o povo (Petiz). É no poema Nós que Cesário revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposição à cidade e considerando-o “um salutar refúgio”.

A oposição cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida. É a morte que cria em Cesário uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular mas que acaba por aprisioná-lo.
Quanto á sua questão social, o poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos marginalizados e admira a força física, a pujança do povo trabalhador.
O poeta interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando documentá-lo e analisá-lo, embora sem interferir.
- Anatomia do homem oprimido pela cidade
-Integração da realidade comezinha no mundo poético

O Impressionismo adaptado ao Real.
“A mim o que me preocupa é o que me rodeia”.
A poesia do quotidiano despoetiza o acto poético, daí que a sua poesia seja classificada como prosaica, concreta. O poeta pretende captar as impressões que os objectos lhe deixam através dos sentidos.
Ao vaguear, ao deambular, o poeta percepciona a cidade e o “eu” é o resultado daquilo que vê.
Cesário não hesita em descrever nos seus poemas ambientes que, segundo a concepção da poesia, não tinham nada de poético.
Cesário não só surpreende os aspectos da realidade como sabe perfeitamente fazer uma reflexão sobre as personagens e certas condições.
A representação do real quotidiano é, frequentemente, marcada pela captação perfeita dos efeitos da luz e por uma grande capacidade de fazer ressaltar a solidez das formas (visão objectiva), embora sem menosprezar uma certa visão subjectiva – Cesário procura representar a impressão que o real deixa em si próprio e às vezes transfigura a realidade, transpondo-a numa outra.


Na altura do Modernismo, Cesário Verde foi considerado o mestre dos poetas que se seguiram à sua época, estando muito próximo dos poetas franceses.
Por influência de Baudelaire e dos naturalistas franceses, Cesário procura pintar “quadros por letras, por sinais”, criando uma pintura literária e rítmica de temas comuns e realidades banais.
A poesia de Cesário reflecte a crise do Naturalismo e o desencanto pela estética realista. O poeta empenhe-se no real, é certo, porém a instância da visão subjectiva é marcante ao ponto de fazer vacilar a concepção de Cesário Verde como poeta realista.
A realidade é mediatizada pelo olhar do poeta, que recria, a partir do concreto, uma super-realidade através da imaginação transfiguradora, metamorfoseando o real num processo de reinvenção ou recontextualização precursora da estética surrealista.
Quanto à sua Linguagem e estilo Cesário Verde é caracterizado pela utilização do Parnasianismo que é a busca da perfeição formal através de uma poesia descritiva e fazendo desta algo de escultórico, esculpindo o concreto com nitidez e perfeição. O parnasianismo é também a necessidade de objectivar ou despersonalizar a poesia e corresponde à reacção naturalista que aparece no romance. Os temas desta corrente literária são temas do quotidiano com um enorme rigor a nível de aspecto formal e há uma aproximação da poesia às artes plásticas, nomeadamente a nível da utilização das cores e dos dados sensoriais.
Através deste parnasianismo ele propõe uma explicação para o que observa com objectividade e, quando recorre à subjectividade, apenas transpõe, pela imaginação transfiguradora, a realidade captada numa outra que só o olhar de artista pode notar.
Cesário utiliza também uma linguagem prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem do quotidiano.
A obra de Cesário caracteriza-se também pela técnica impressionista ao acumular pormenores das sensações captadas e pelo recurso às sinestesias, que lhe permitem transmitir sugestões e impressões da realidade.






A nível morfossintáctico recorre à expressividade verbal, à adjectivação abundante, rica e expressiva, por vezes em hipálage, ao colorido da linguagem e tem uma tendência para as frases curtas.

-Vocabulário concreto
-Linguagem coloquial
-Predomínio do uso do decassílabo e do Alexandrino
-Uso do assíndeto que resulta da técnica de justaposição de várias percepções
-Técnica descritiva assente em sinestesias, hipálages, na expressividade do advérbio, no uso do diminutivo e na utilização da ironia como forma de cortar o sentimentalismo (equilibrar).

Eça utiliza uma linguagem desprovida da erudição que caracterizava o Ultra-Romantismo, revestindo-se de termos e construções sintácticas correntes, mas rigorosas. O Naturalismo deve ser o retrato fiel da realidade, estando sempre associado ao Realismo. Cesário na sua poesia, poesia essa designada poesia pictórica, preocupa-se com o pormenor, para ele na pintura não há contorno, nem precisão. Para ele existe sim uma multiplicidade (Cesário preocupa-se com a multiplicidade, de maneira que esta seja informativa, ou seja, coisas que nos possam suscitar mais ou menos importância) de coisas que compõem um quadro (como pudemos observar na foto exibida na aula). Cesário Interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando comentá-lo e analisá-lo, embora sem a intensidade da dissecação naturalista.
Nos seus poemas Cesário utiliza um discurso anti-retoricista, sendo a retórica a arte de bem falar, e de enganar, o discurso de Cesário revela o contrário desta doutrina, o discurso de Cesário é pouco burilado, o autor revela uma intenção, mas não o faz sendo esse o esforço de autenticidade. Revela com os seus textos aquilo que vê, este não é crítico, coisa que Eça é.
Quando Cesário refere que os versos são salubres e sinceros quer dizer que estes são limpos de espírito e revelam alguma confusão que o autor se ausenta da sua produção artística, é sincero a nível de visão, tudo o que ele se apercebe através do seu primeiro olhar, do seu primeiro momento sensorial na poesia. Na pintura nem sempre o conseguimos alcançar, existe um escalunamento dos sentidos, ao contrário da pintura, na poesia podemos falar de outros níveis tais como o olfacto, o tacto e etc.




Análise às fotos da aula:

Nas duas fotos exibidas na aula observamos a mesma imagem, com a diferença de que numa ser de dia e a outra ser de noite.
Na primeira Cesário apresenta pormenores, neste caso muito movimento, carros, pessoas, uma imensidão, sendo o elemento em destaque são as carruagens e os coupês. Este autor é precursor do Modernismo, ele vê neste quadro que a sociedade está em desenvolvimento.
Na segunda foto existe a noite é bastante iluminada pela imensidão de candeeiros existentes, para ele era considerado um ciclo de progressão, para outros algo de muito diabólicos, a estes podemos chamar de ignorantes.
Sintese
Influências literárias e linguagem na poesia de Cesário Verde
Realismo/Naturalismo
•Visão crítica, objectiva e minuciosa com rigor e precisão.
•Profunda reflexão sobre a realidade da sua época.
•Linguagem com termos concretos e técnicos.
Parnasianismo
•Visão objectiva da realidade.
•Linguagem exacta e precisa, com rigor formal.
•Descrição dos aspectos quotidianos vulgares, que através deste tipo de linguagem ascendem a um nível poético.
Impressionismo
•Olha subjectivo filtrados pelas suas percepções, ou seja, pelo que captou do real.
•Surgem imagens extremamente visuais, onde o físico e o moral se misturam, despertando uma série de sensações.




Modernismo
•Tratamento poético do operariado, do trabalho citadino e rural, dos contrastes sociais.
•Valorização dos sentidos, da objectividade e do rigor na sua poesia.
•Associação de ideias através de imagens metafóricas.
•Visão pessimista da realidade.
•Surrealismo e Simbolismo –tédio, desilusão, repúdio pelo lirismo romântico, imagens com valor simbólico, linguagem concreta e tratamento musical e prosódico.